Ainda que converse muito mais que antes, ainda que tenha uma
amiga, ainda que me sinta querida e amada, reclamo de barriga cheia. Não é que
não esteja satisfeita, mas certas coisas me incomodam, entristecem e fazem com
que tudo se transforme.
Dói às meninas a sua volta, essa falta de segurança... Já
fiz tanto que acho que pode estar acontecendo o contrário agora, passei por
cima de tanto que me sinto sendo pisada pelo fantasma da justiça. Dói a
incerteza sobre o nosso futuro, temo que tudo isso acabe e que prevaleça o
sentimento de erro, é tudo muito novo, mal te conheço e já faço mil planos,
fingindo não vê os teus defeitos. É muita expectativa e pouco repertório, é um
passado promíscuo e um presente tentador. Finjo não ligar para o que vejo, para
confiar em você, mas recados e fotos me machucam a cada olhar, definitivamente,
seu passado dói em mim!
Só que mais que isso, o que mais doi em mim é como eu sou a
primeira a me machucar, como consigo me mutilar e ainda fingir que está tudo
bem, acreditando na lei do retorno que sempre tarda em chegar. Sei exatamente o
quanto dói pagar de amiga quando a amizade passa longe, o quanto me prejudica
abrir mão da minha rotina quando alguém me pede a mão, o quanto perco tempo
tentando entender o que poderia ser explicado se eu tivesse coragem de
perguntar. Peco por não falar aquilo que me incomoda, porque sinto raiva ou
desmotivação e estampo no rosto alegria e satisfação. Peco quando sinto ciúmes
e finjo achar normal, peco quando digo estar tudo bem quando tudo está mal.
Dói manter-se a disposição para ouvir, ajudar e quando
procuro um ouvido ou um abraço estou sozinha em um quarto. Meu ombro amigo é um
computador, as palavras de consolo que ouço, são os barulhos que o teclado faz
enquanto digito, o abraço apertado é a música que ouço enquanto as lágrimas
deságuam junto aos acordes. Dói saber que sou corajosa de travesseiro, quando
deito digo que vou fazer e acontecer, mas quando acordo, continuo a mesma
covarde que não consegue dizer não as pessoas e que faz de tudo para agradá-la. Ainda que grite mais que antes, as frases que solto não são
metade da angústia que carrego há anos, a única evolução significativa que tive
é que não tenho mais câimbras de tanto escrever, pois troquei o papel e a
caneta por um computador. Só que tudo tem limite e hoje, me sinto cansada,
cansada desse feedback que eu não permito me alcançar, cansada dessa falta de
coragem, desse medo de dizer o que penso ou de dar saltos largos, é tudo sempre
muito bem premeditado, cada palavra é pensada, treinada, ensaiada.
Na frente
dos outros, as palavras não saltam como saltam neste papel, as lágrimas são
tímidas demais para terem plateia, os sentimentos só afloram quando estou aqui.
Não, não estou reclamando do papel, gosto e preciso dele, é que sinto falta de
um carinho, de alguém que se dedique a mim do mesmo modo que sou aos outros. É
que não é a primeira vez que reclamo disto ou de mim mesma, é que tá cada vez
mais insuportável. Sei exatamente o erro, o histórico e suas consequências e
ainda assim, não faço nada para mudar, continuo esperando o dia que alguém irá
invadir novamente a minha vida e tomar posse de todas essas dores e dividir
comigo as angústias da minha própria personalidade.