Chico Vulgo

Não, eu não te conheci, não, você não sabe que eu existo, muito menos tem noção das vezes que escuto o seu som e o bem que ele me faz. E inexplicável a inspiração que me dá em simplesmente escutar aqueles versos e acordes que eu já sei decorado, mas que não soam nem um pouco exaustivos. 13 de Março de 1966, eu nem sonhava em nascer, minha mãe ainda era virgem, quando a sua lhe dava a luz. 02 de Fevereiro de 1997, você tinha 31 e eu oito anos, já tinha ouvido “é a praieira”, mas não tinha a mínima noção do que isso significava. Via o meu irmão escutando o seu som, com um chapéu de palha, mas me faltou idade suficiente para entender o espírito manguebit. Por algum motivo, me chamou atenção às sirenes do corpo de bombeiros que carregava o seu corpo, acompanhei até onde a minha vista pode alcançar e me virei para brincar. Os anos passaram, assim como a xuxa, o é o tchan, Shakira e o rock nacional, passaram pelos os meus ouvidos. Até o dia em que, dez anos após o auge do manguebit , eu descubro esse movimento que tomou conta da minha mente. Recife já não era uma cidade tão marginalizada, mas ainda fedia. Os mangueboys é que se encontravam marginalizados, escondidos em ternos, guardando na memória os tempos da Soparia e esquecido no armário, um óculos e um chapéu de palha empoeirado. Eu me sentia em pleno os anos noventa, repetindo todas as filosofias e a cada dia lia um pouco mais sobre você.

Eu fiz o meu manifesto manguebit, misturei o atual com antigo, Josué de Castro com José Teles, indies e cavalo marinho, vasculhei na internet as bandas que tocavam no seu toca-fita e até as bandas que o mangue não conseguiu permanecer vivas até o meu manifesto. Tenho a minha construção sobre os dias que você esteve por aqui, os lugares e o jeito que você andava, o que a minha mente não entende é a razão da sua morte acontecer. Talvez fosse necessário para a longevidade do movimento, vai vê se você ainda estivesse por aqui, as pessoas não te dariam tanto valor assim. Por dias eu quis achar uma saída para a sua sobrevivência, mas foi tudo muito bem arquitetado, infelizmente não era para você sobreviver aquele acidente. Mas eu me pergunto, se você ainda estivesse aqui, sobre o que você escreveria? Será que você estaria encantado com a praticidade que é gravar uma música hoje, feliz com a grande quantidade de discípulos que você ganhou ou revoltado por Josué ainda ter razão. Saber que pouca coisa mudou que ainda somos homens e caranguejos e que assim como comemoramos seus 45 anos de idade, lembramos que Josué aos mesmos 45 anos atrás descreveu uma civilização que não evoluiu muito nesses anos.

Muita coisa mudou, olhando o cotidiano, vemos que o manguebit acabou, tem o pós-manguebeat, original Olinda style, mas nada tão revolucionador. Nem mesmo a Nação Zumbi que teve contato direto com você, conseguiu fazer muita diferença com a sua ausência e ao contrário do que muita gente pensa, para mim é outra banda que nem de perto lembra você. Apesar de algumas bandas ainda tentarem, ninguém passa a espiritualidade que só você consegue transmitir em suas músicas, a sua voz faz falta, assim como as suas ideias e o seu jeito de criança que quer conquistar o mundo. Acho que até os caranguejos sentem a sua falta, talvez só você de novo aqui para fazer todos caminharem um uma única direção, pra acabar de vez com essas músicas pejorativas e sem personalidade, pra vê se as pessoas entendem o que é uma nação. Sei que quando tudo começou ninguém imaginou que ia chegar aonde chegou, mas eu sei que onde quer que você esteja você estará recebendo os méritos pelo gênio que sem saber você foi.

Fico feliz com a bagagem cultural que você me proporcionou e mais feliz ainda em poder através de um apelido carregar um pouco do seu trabalho comigo. Na verdade eu queria realmente me chamar Risoflora, tudo começou de uma brincadeira despretensiosa, da falta de memória com nomes de um amigo meu, mas confesso que foi o melhor apelido que já me deram e que só não transformo em meu nome por respeito aos meus pais. Mas para mim é como se fosse necessário manter o teu nome vivo, em nenhum momento quis ser Maria Eduarda Belém, ou ser o seu motivo de inspiração, prefiro ser um tipo de mangue ou o título de uma música boa. Não importa o motivo e sim a reação das pessoas, o questionamento que elas proporcionam ao entenderem por que me chamo Risoflora. Carrego o mangue no nome para que ele não seja tão esquecido, pra vê se as pessoas não esquecem de dar valor a sua terra, para que elas se lembrem que somente daqui elas podem tirar inteligência, cultura e personalidade. Mesmo sem vocação pra música eu faço dela a razão do meu viver, e com a mesma filosofia que você, valorizo as minhas raízes sem fechar os olhos para o que acontece no mundo e ainda que não se trate de música a minha inspiração é você, humildade e pé no chão é isso que falta o povo ter.

Sim, é da sua música que tiro o meu nome, é da filosofia do mangue que faço as minhas raízes e ao invés da nostalgia e do lamento pela sua morte eu me contento com os frutos que deixasse, admirando a cada dia a sua inteligência.